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Prof Diogo Thimoteo e nutricionista Mariana Hakim desenvolveram a pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo, oferecido pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

 

Pesquisa pioneira desenvolvida na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp lança luz sobre o fenômeno das dark kitchens no Brasil, revelando sua significativa presença no mercado de delivery e a complexa percepção dos consumidores em relação a esse modelo de negócio. O trabalho, apresentado como tese de doutorado pela nutricionista Mariana Piton Hakim, buscou desvendar as características dessas ‘cozinhas fantasmas’, que ganharam força no mercado de delivery durante a pandemia de covid-19, sob diferentes óticas.

Também chamadas de cozinha virtual, cloud kitchen, ghost kitchen, cozinha invisível, cozinhas compartilhadas, commissary, satélite ou cyber kitchens, são um modelo de restaurante que funciona sem salão para atendimento ao público, focando apenas na produção de refeições para entrega ou retirada. Os pedidos são feitos por telefone, aplicativos, sites ou redes sociais, e as comidas são preparadas exclusivamente para consumo fora do local.

Intitulada “O que é dark kitchen? Mapeamento e Percepção do Consumidor”, a pesquisa foi orientada pelo Professor Dr. Diogo Thimoteo da Cunha no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo e realizado em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de duas instituições de ensino internacionais (Universidades de Central Lancashire, no Reino Unido, e Gdansk, na Polônia). Vários artigos científicos resultantes do trabalho, que foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), já foram publicados na Revista Food Research International. A pesquisa foi indicada pelo Programa de Pós-Graduação ao Prêmio Capes de Tese e também está concorrendo a premiação interna de teses na Unicamp. 

O estudo foi estruturado em três etapas principais: o mapeamento e a caracterização das dark kitchens em grandes centros urbanos brasileiros, a análise do conhecimento e da percepção do consumidor no Brasil, e um comparativo dessa percepção em diferentes culturas (Brasil, Reino Unido e Polônia).

Na primeira etapa, focada nas cidades de Campinas, Limeira e São Paulo, a pesquisadora utilizou mineração de dados e georreferenciamento em um dos principais aplicativos de delivery de alimentos do país. Dos 22.520 estabelecimentos avaliados, surpreendentes 27,1% foram classificados como ‘cozinhas fantasmas’. A cidade de São Paulo apresentou um percentual ainda maior, chegando a 35,4% dos estabelecimentos avaliados.

A análise revelou que as dark kitchens (DKs), diferentemente dos restaurantes tradicionais, tendem a ter maior dispersão geográfica e a estarem localizadas mais distantes dos pontos centrais das cidades, onde os alugéis são mais baratos. Economicamente, elas oferecem preços mais acessíveis que restaurantes padrão. No entanto, notou-se que recebem um menor número de avaliações de usuários no aplicativo.

Quanto à oferta gastronômica, a culinária brasileira predominou nas DKs de São Paulo, similar aos restaurantes padrão. Já nas cidades menores, Limeira e Campinas, lanches e sobremesas foram as categorias mais comuns encontradas nas cozinhas-fantasmas.

Um resultado significativo dessa fase foi a identificação de seis modelos distintos de dark kitchens operando no mercado brasileiro, incluindo as independentes, modelos de hub (cozinhas compartilhadas), franquias, cozinhas virtuais operando dentro de restaurantes padrão (com menu diferente ou similar, mas nome distinto) e até mesmo cozinhas baseadas em residências. Os pesquisadores alertam que essa diversidade ressalta a adaptabilidade do modelo, mas também impõe desafios regulatórios.

Percepções dos consumidores brasileiros

A segunda etapa da pesquisa mergulhou na percepção dos consumidores brasileiros. Com 623 participantes, o estudo descobriu que a maioria (73,4%) já ouviu falar no termo "dark kitchen". Contudo, a compreensão do conceito ainda é fragmentada e muitos não conseguiram defini-lo precisamente. Algumas associações negativas, como "cozinhas sujas ou inadequadas", também apareceram nas respostas.

Apesar do conhecimento limitado, a pesquisa apontou uma disposição positiva dos entrevistados para pagar e comprar refeições produzidas nesse modelo. Diversos fatores influenciam essa intenção de compra, entretanto, o fator com maior influência positiva foi a solidariedade com o setor de alimentação (durante a pandemia). Outros fatores positivos significativos incluem a percepção de segurança dos alimentos, o controle de qualidade, a experiência do consumidor e a confiança nas autoridades de saúde. Curiosamente, a confiança no aplicativo de entrega de alimentos não se mostrou um fator determinante para a intenção de compra neste estudo.

Percepções culturais variam, mas fatores-chave persistem

Expandindo a análise para um contexto internacional na terceira etapa, o estudo comparou as percepções de 829 consumidores no Brasil, Reino Unido e Polônia. Foi confirmada uma variação cultural na compreensão do conceito de dark kitchen. Embora definições precisas ("restaurantes que vendem exclusivamente online" no Brasil e Polônia, e "restaurantes sem área para consumo no local" no Reino Unido) tenham sido as mais comuns, as associações negativas, como "cozinhas sujas", também apareceram em todos os países.

Apesar das diferentes interpretações, os consumidores dos três países demonstraram uma disposição favorável para adquirir alimentos produzidos nestes estabelecimentos. Fatores como segurança dos alimentos, experiência do usuário e responsabilidade social (ou solidariedade) influenciaram positivamente a intenção de compra em todos os países estudados.

No entanto, houve diferenças específicas entre os países: o controle de qualidade influenciou positivamente a intenção de compra no Brasil e no Reino Unido, mas não na Polônia. Já a confiança nas autoridades de saúde/vigilância sanitária teve influência positiva apenas no modelo brasileiro.

Implicações e Repercussões

Em conjunto, os resultados da tese fornecem um diagnóstico abrangente do cenário das dark kitchens, desde sua presença e modelos operacionais no Brasil até os fatores que motivam a aceitação e intenção de compra de consumidores em diferentes culturas. O trabalho destaca a necessidade urgente de regulamentação específica para as dark kitchens, considerando a diversidade de seus modelos e a dificuldade de fiscalização, especialmente para aquelas localizadas em residências.

“As empresas de delivery e as autoridades de saúde devem focar em estratégias que reforcem a percepção de segurança e a qualidade dos alimentos, além de melhorar a experiência do usuário no aplicativo. A solidariedade, embora relevante em contextos de crise, pode não ser um fator duradouro de motivação para a compra”, alerta Hakim.

Os resultados deste trabalho já tiveram expressiva repercussão, sendo apresentados em mais de 50 espaços, incluindo reportagens em TV e outros meios de comunicação, e até mesmo servindo como base para a formulação de uma questão no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).

Os pesquisadores concluem que, para o desenvolvimento sustentável e seguro do setor de dark kitchens, é essencial que empreendedores, plataformas de delivery e órgãos reguladores trabalhem juntos, compreendendo as necessidades do consumidor e adaptando-se às nuances culturais, sempre priorizando a segurança dos alimentos. A quarta fase da pesquisa, ainda em andamento no Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde da Unicamp, inclui visitas presenciais dos pesquisadores às cozinhas fantasmas para avaliar funcionamento e questões sanitárias.