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Estudantes de diferentes cursos de graduação e pós-graduação participam da ITCP Unicamp, projeto de extensão originado em 2001

 

“O trabalho extensionista, no qual se busca o objeto de pesquisa e se modifica o ensino, possibilita a aproximação da pesquisa e do ensino à realidade concreta. O produto desse trabalho são os conhecimentos gerados pela universidade e pela comunidade, além das possíveis transformações socioeconômico-culturais”. Esta reflexão sobre o papel vital da extensão universitária na produção de conhecimento científico e na aproximação da formação de estudantes à realidade social faz parte do artigo “Extensão Universitária e Educação Popular: a perspectiva da extensão popular”, publicado recentemente na Revista FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, periódico científico da Universidade do Estado da Bahia.

O artigo analisa em profundidade o papel da Extensão Universitária e, mais especificamente, da Extensão Popular nas universidades brasileiras, refletindo sobre suas relações com o ensino, a pesquisa e a transformação social, assim como os obstáculos que enfrenta no cenário atual.

Sua autora, a pesquisadora Laís Silveira Fraga, é docente da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp e integrante da Associação das Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM), rede de cooperação entre diversas universidades da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, a qual discute e produz pesquisas sobre extensão universitaria internacionalmente.

Na AUGM, a docente também faz parte da Comitê Acadêmica de Processos Cooperativos e Associativos (PROCOAS), espaço acadêmico coletivo no qual são privilegiadas as produções da Economia Social, Solidária e Popular, realizando o assessoramento e acompanhamento técnico e pedagógico de cooperativas, movimentos sociais e associações de pessoas em vulnerabilidade. “O campo de atuação extensionista não se restringe às práticas extensionistas – ele envolve pesquisa e ensino sobre extensão nas áreas de cooperativismo e associativismo”, esclarece Fraga.

O trabalho publicado pela docente faz parte de amplo projeto de pesquisa sobre as diferentes concepções de extensão universitária em disputa na contemporaneidade e centra-se na obra do professor José Francisco de Melo Neto, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), examinando como sua concepção de extensão como "trabalho social útil" oferece bases para repensar a função social e política da universidade na sociedade. Segundo a pesquisadora, a existência de grupos como o Extelar (Grupo de Pesquisa em Extensão Popular, na UFPB), dedicados exclusivamente a estudar extensão, “reforça a importância de tratar essa atividade não como um apêndice, mas como um eixo central para repensar o papel da universidade na construção de um projeto de país mais justo e inclusivo”.

A discussão levantada pelo trabalho está situada em um momento crucial para a extensão universitária brasileira, marcado pela contradição entre a implementação da Resolução nº 7/2018 do Conselho Nacional de Educação - que estabeleceu a obrigatoriedade de dedicar 10% da carga horária dos cursos de graduação a atividades extensionistas - e a ausência de políticas públicas consistentes de fomento, como evidenciado pela interrupção dos editais do Programa de Extensão Universitária (Proext) desde 2016.

Traçando um panorama histórico das diferentes matrizes que influenciaram a extensão universitária no Brasil, Fraga remonta as origens latino-americanas do conceito ao Movimento Reformista de Córdoba em 1918, na Argentina, que defendia uma universidade laica, aberta às classes populares e comprometida com suas demandas sociais. A luta dos estudantes argentinos impulsionou reformas universitárias em vários países, como Brasil, Uruguai, Chile e Peru, as quais buscavam maior inclusão e justiça social no ensino superior. De acordo com a pesquisa, ao longo do século XX, essa perspectiva latino-americana dialogou e tensionou-se com outras tradições, como a matriz europeia - marcada pela ideia de ‘ilustrar as massas’ através de cursos populares - e a matriz estadunidense, focada em transferência tecnológica e assistência técnica.

“A partir dos anos 2000, a Extensão Popular emerge como proposta distinta, sistematizada por Melo Neto, que concebe a extensão como trabalho realizado em conjunto entre universidade e comunidades, superando a dicotomia simplista entre ‘dentro e fora’ da academia. Essa perspectiva se vincula explicitamente ao acúmulo da Educação Popular e se compromete com projetos emancipatórios de sociedade, diferenciando-se tanto das abordagens assistencialistas quanto das meramente técnicas”, coloca a docente.   

O estudo também analisa como a recente democratização do acesso ao ensino superior através da Lei de Cotas (2012) coloca novos desafios para a Extensão Universitária. “A chegada massiva de estudantes negros, indígenas e de origem popular às universidades exige repensar as práticas extensionistas à luz de perspectivas interseccionais que considerem não apenas a classe social, mas também as dimensões de raça, gênero e colonialidade do saber”.

Nesse sentido, Fraga aponta a necessidade de diálogo de projetos extensionistas com movimentos feministas, antirracistas e LGBTQIA+ para evitar que a noção de ‘popular’ se torne um conceito vago ou descontextualizado.  Apesar dos desafios, o trabalho conclui que a obra de Melo Neto segue sendo referência fundamental para pensar a extensão universitária no Brasil atual. A pesquisadora ressalta, por fim, a urgência de políticas públicas que garantam financiamento estável para atividades extensionistas, condição essencial para que a universidade pública brasileira possa cumprir sua função social.

 

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Projeto com impressão 3D na Casa de Cultura Tainã, em Campinas

 

ITCP Unicamp: a teoria (sobre extensão) na prática

Na trajetória acadêmica e ativista de Fraga, a reflexão teórica sobre extensão tem origem na prática, quando ainda era estudante da Unicamp e atuava em diversos movimentos sociais através da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP Unicamp), programa de extensão que nasceu na Universidade em 2001.

“Foi justamente a prática extensionista que me trouxe o desejo de conhecer sobre como a extensão foi compreendida ao longo da história, tanto no Brasil quanto em outros países. A Extensão Popular é uma destas correntes de concepção da extensão, bastante consolidada nacionalmente. Na UFPB, com Melo Neto e o Grupo Extelar, há uma escola de pensamento paraibana sobre extensão no Brasil já a mais de 20 anos”.

Atualmente a pesquisadora coordena a Incubadora, que desenvolve ações de geração de trabalho e renda a partir da economia solidária, cooperativismo popular e autogestão com cooperativas, associações e grupos informais, movimentos sociais e territórios de Campinas e região.

Docentes e estudantes de graduação e pós-graduação de diversas áreas do conhecimento atuam em projetos conjuntos com 24 entidades incubadas, impactando e sendo impactados por mais de 650 trabalhadores, através de processos educativos na perspectiva emancipadora da educação popular. O trabalho desenvolvido promove uma troca constante entre universidade e sociedade, permitindo que todos aprendam e reavaliem seus conhecimentos.

“A sala de aula se expande, passa a ser o território com o qual estabelecemos parceria, como na Casa de Cultura Tainã e no Assentamento Elizabeth Teixeira. No assentamento, por exemplo, discutimos alternativas para cobertura e proteção da produção folhosa, que estava sendo queimada pelo sol muito forte... vimos os prós e contras de cada alternativa e discutimos conjuntamente sobre mudança climática – é uma maneira de abordar problemas reais e práticos, fora da sala de aula”, afirma Fraga. Ela conta que, com base nestas atividades e projetos de extensão, normalmente tem origem diversos projetos de mestrado e doutorado desenvolvidos pelos alunos participantes. 

Isso acontece porque, ao estabelecer parcerias com diferentes grupos sociais, a universidade se depara com demandas reais que exigem não apenas respostas, mas novas perguntas – um processo que pode reformular o ensino, a pesquisa e a formação profissional e pessoal de estudantes e pesquisadores.

“Muitas vezes, a gente pensa na extensão como ‘fazer o bem’, ‘ir até um território para levar ajuda’. E Extensão não é isso – extensão é nos aliarmos com grupos que tem necessidades e demandas, considerando a desigualdade social no país, e, a partir desta relação, perceber que há um desafio epistêmico na Universidade, pois ela não produz certos tipos de conhecimento. Que tipo de alunos poderíamos formar? Que tipos de conhecimentos são necessários? Portanto, a prática extensionista faz com que o pesquisador reformule suas perguntas e práticas de produção de conhecimento e ensino”, analisa a docente.

Para ela, as classes populares ainda são as menos escutadas e menos consideradas na produção de conhecimento pela universidade e seria preciso estabelecer um diálogo mais respeitoso com os trabalhadores, pois, ao fazer extensão, também se corre o risco de ser violento, autoritário ou desrespeitoso. Esta reflexão se apoia no texto de Paulo Freire, “Extensão ou Comunicação? ”, de 1968, no qual o educador adverte sobre o ‘erro gnosiológico’ da extensão: julgar o conhecimento cientifico como superior a outras formas de conhecimento e falhar, portanto, em estabelecer uma relação dialógica, mas sim de dominação em relação ao outro.

“Às vezes, o conhecimento técnico leva uma visão de mundo, uma priorização, uma escolha de qual é o problema a ser enfrentado que não corresponde à realidade daquela comunidade. Você pode estar partindo de uma falta de fé nas pessoas, em seus modos de conhecer o mundo. Precisamos entender que não é sempre que saímos da Universidade estamos necessariamente fazendo uma ação benéfica. Não se trata de cair para o negacionismo da ciencia, mas entender que ela também tem suas limitações”.

Como os problemas sociais são de extrema complexidade, Fraga avalia que o conhecimento científico pode contribuir, mas precisa também de outras formas de conhecer, outros olhares. “Precisamos da interdisciplinaridade que inclui outras formas de conhecer, e não somente aquela que ocorre da interação entre diferentes disciplinas científicas. Temos que partir do pressuposto que não sabemos tudo, que o outro também não sabe, e que este diálogo vai nos tornar mais capazes de melhorar a realidade”.  

Para um docente ou estudante que quer iniciar um projeto de extensão, o conselho da pesquisadora é começar sempre realizando um bom diagnóstico, com escuta atenta, de compreensão da realidade na qual estas pessoas estão envolvidas – não partir do pressuposto que já se sabe qual é a necessidade daquela comunidade. “Se a gente não escutar, não fizer processos de levantamento de dados, de leitura da realidade, juntamente com as pessoas, provavelmente vamos errar nas ações por desconhecer a realidade e desconsiderar os conhecimentos e modo de vida de quem está fora da universidade”.

Por fim, Fraga relembra o artigo 207 da Constituição Brasileira, que versa sobre a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, como uma conquista da redemocratização pós ditadura militar no país. “Conectar ensino-pesquisa-extensão é uma diretriz constitucional. A união destas três instâncias corresponde a uma concepção de universidade atuante na sociedade, na qual tanto a pesquisa quanto o ensino são melhorados através da extensão”. Para ela, deveríamos pensar a universidade a partir da Extensão, já que a Extensão é uma outra maneira de se pensar a universidade.

Saiba mais sobre a ITCP Unicamp neste link da Revista Empírica.