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Entrada de um dos prédios do Residencial Rubi, decorada e cuidada pelos próprios moradores (foto: Vitor Sartori Cordova)

 

Texto: Cristiane Kämpf - Comunicação FCA Unicamp Edição: Vitor Sartori Cordova e Cristiane Kämpf

O trabalho de pós-doutorado do sociólogo, doutor em urbanismo e especialista em sociologia urbana Professor Vitor Sartori Cordova, denominado “A solidariedade dos abalados na cidade contemporânea: qual o lugar da ação política nos condomínios residenciais populares?”, destacou os escritos do filósofo tcheco Jan Patočka, considerado um dos mais importantes contribuintes da Fenomenologia e da Filosofia na Europa Central do século XX – e ainda pouco conhecido no Brasil.

O objetivo foi contribuir, a partir das leituras da obra deste filósofo, com os estudos urbanísticos sobre Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social no Brasil e, segundo o autor, “chamar a atenção para alguns conceitos esquecidos pelo planejamento urbano, como o da corporeidade, para a efetivação de políticas urbanas que abranjam qualitativamente o espaço da cidade”.

As análises foram realizadas na cidade de Limeira, interior do estado de São Paulo, mais especificamente no Conjunto Residencial Rubi, empreendimento popular em caráter de condomínio resultante do “Programa Minha Casa, Minha Vida” e construído entre os anos de 2015 a 2017. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Geografia dos Riscos e Resiliência (LAGERR) da FCA/Unicamp e contou com o depoimento de 15 moradores do empreendimento. Além da análise fenomenológica foram realizadas investigações de cunho histórico, político e sociológico sobre como foram surgindo os empreendimentos de habitação de interesse social no município e de que maneira os processos de especulação imobiliária e financeirização da moradia popular afetam a construção da cidade e a própria vida dos moradores.

Mesmo que a maioria dos entrevistados expressassem um sentimento de gratidão por terem conseguido o apartamento, também destacavam várias dificuldades: falta de transporte público e dificuldade para chegar ao trabalho ou à escola do bairro, morar longe dos familiares, falta de supermercados ou farmácias próximas, falta de área de lazer para jovens, adultos ou idosos, poucas atividades socioeducativas para os mais jovens, falta de segurança nos arredores do condomínio, etc.

Para o pesquisador, o sonho destas pessoas de conseguir moradia própria é explorado por interesses do capital imobiliário e financeiro em uma competição desigual com a velocidade das ações do poder público. Segundo ele, os mais pobres são usados como “iscas” para a valorização de terrenos afastados da malha urbana. A estratégia, em sua grande maioria, é utilizar de uma alta densidade demográfica que é levada a morar no local e, por conseguinte, se aproveitar da grande (e legítima) pressão para obtenção de infraestrutura e equipamentos urbanos (transporte, escolas, postos de saúde, etc.) por parte dos residentes.

Todavia, com a passagem do tempo, muitas vezes décadas, a pressão pelo direito de uso destas infraestruturas e equipamentos se torna sinônimo de elevação do custo de vida, fazendo com que os moradores se vejam obrigados a alugar ou vender as suas habitações quando este direito finalmente se concretiza. Além disso, as empresas imobiliárias formam verdadeiros ‘bancos de terras’ nos arredores destes tipos de empreendimentos, glebas estas que, por permanecerem nas franjas destes empreendimentos, valorizam-se por associação no intuito de também serem comercializadas no futuro.

“O que eu vi de mais perverso, genericamente falando, é como a psicologia do dinheiro consegue ter um controle não só mercadológico, mas temporal, emocional, afetivo, na vida destas pessoas - e, claro, no espaço da cidade. É um tipo de psicologia que rapta, suga o circuito dos afetos das pessoas, ao ponto de elas até se encararem como partícipes de um jogo em que não estão convidadas a participar, e muito menos ganhar. Por exemplo, é comum ouvir dos moradores de lá que, mesmo habitando um lugar tão longe, os especialistas (comumente os donos das construtoras) lhes falam que daqui a alguns anos o local vai ficar bom de morar, que aguardem um pouco mais, pois o bairro vai ter uma boa estrutura. Nós sabemos que, quando ficar ‘bom de morar’, também significará ‘caro’. Mas, o discurso é tão sedutor que acaba sendo aceito já que, se o empreendimento (e o local) não lhes possibilitar algum desfrute no presente, talvez, seus filhos e netos tenham essa chance no futuro. É este aguardo, este tempo de vida das pessoas que o mercado imobiliário consegue colonizar e que encaro como perverso”, coloca Cordova.

Outras duas pesquisas de iniciação científica resultantes do pós-doutorado (“Os condomínios residenciais populares na história e no espaço urbano de Limeira”, de autoria da arquiteta e urbanista Letícia Benetti Gomes; e “Projetos habitacionais populares e seus impactos na mobilidade urbana: estudo da região do Rubi, Limeira”, do administrador público Vinicius Antônio Neves de Oliveira) trazem mais informações sobre estes processos.

No que compete especificamente ao arcabouço teórico utilizado na pesquisa, o fato de haver poucos estudiosos dedicados ao filósofo tcheco no Brasil, o trabalho de tradução de textos e a organização dos primeiros eventos e dossiês sobre o estudioso são destacados pelo Professor Eduardo Marandola Jr., supervisor da pesquisa, como méritos importantes do trabalho desenvolvido por Cordova. “Patočka faz parte de um grupo de filósofos que esteve envolvido em movimentos revolucionários, com forte conotação política e no combate a regimes totalitários na Europa do século XX. Não é à toa que seu pensamento tem sido muito fecundo na América Latina, em países como Argentina e México, por exemplo. O trabalho do Vitor, que desenvolveu ainda um esforço de aplicação prática de conceitos importantes dele como o da “solidariedade dos abalados”, permite, portanto, que nos aprofundemos ainda mais na obra do filósofo”.

 

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Vitor Sartori Cordova, autor do trabalho de pesquisa e membro do Laboratório de Geografia dos Riscos e Resiliência (LAGERR Unicamp)