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Cápsulas de ômega-3: pesquisadores analisaram todos os estudos disponíveis sobre a suplementação em quatro bases de dados científicas

 
 
Edição de imagem: Alex Calixto | Paulo Cavalheri
 
 

Pesquisa inédita realizada por médicos e nutricionistas da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP) revela que não há evidências científicas sólidas que embasem a recomendação de suplementação alimentar de ômega-3 para indivíduos adultos ou idosos saudáveis que buscam aumento de força, massa e melhora da função muscular. O trabalho foi divulgado recentemente na revista científica Advances in Nutrition.

O grupo reuniu e analisou todos os estudos disponíveis sobre o tema em quatro bases de dados científicas (PubMed, Embase, Cochrane Central e SPORTDiscus) e aplicou métodos estatísticos, cruzando os resultados desses estudos para obter uma estimativa mais precisa do efeito geral do tratamento. Tal metodologia é denominada revisão sistemática com meta-análise e permite identificar padrões e tendências a partir dos estudos disponíveis, fornecendo um resumo confiável e abrangente de evidências científicas que podem ser utilizadas para embasar a prática clínica, ou seja, as recomendações re- alizadas durante consultas com profissionais de saúde.

“Evidências científicas são fundamentais na tomada de boas decisões em saúde e contribuem para orientar a formulação de políticas públicas e futuros esforços de pesquisa”, explica a nutricionista Heloisa Santo André, doutoranda da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e autora principal do trabalho.

No total, foram reunidos 4.403 estudos sobre ômega-3. Entretanto, somente 14 deles, que obedeciam aos critérios de qualidade pré-definidos pelos pesquisadores — estudos clínicos randomizados, controlados por placebo, com algum nível de cegamento e que passaram por revisão por pares, pré-requisitos essenciais para pesquisas em saúde —, foram selecionados para análise. Foi gerado um total de 1.433 participantes, sendo 913 mulheres e 520 homens. Três estudos foram feitos com adultos e 11, com idosos.

Os responsáveis pelo trabalho afirmam que a literatura científica acerca da suplementação de ômega-3 para adultos e idosos saudáveis é muito heterogênea, tanto na metodologia utilizada como nos resultados obtidos. Há estudos que mostram benefícios, enquanto outros, não. Os pesquisadores salientam que há investigações, na área de nutrição esportiva em particular, que contêm equívocos e não seguem pré-requisitos básicos para pesquisas em saúde, o que pode gerar erros de conduta na prática clínica.

“Muitos trabalhos apresentam conflitos de interesse importantes, os quais muitas vezes não são considerados na interpretação dos dados. Há trabalhos que não reportam detalhes sobre randomização, cegamento e aderência ao protocolo, não deixando clara a forma como esses procedimentos foram realizados, ou que apresentam falhas de protocolo que comprometem o cegamento. Por exemplo, diferenças na quantidade ou aparência das cápsulas de ômega-3 e de placebo ou ainda pesquisadores cientes do cegamento envolvidos nas coletas ou análises de dados. Além disso, há comprometimento na análise estatística de algumas pesquisas, o que tem consequências na interpretação dos dados”, esclarece Fabiana Braga Benatti, orientadora da pesquisa e docente do curso de Nutrição e da Pós-Graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo da Unicamp.

Indústria bilionária

Há muitos estudos sérios que já demonstraram a capacidade dos ácidos graxos ômega-3 de beneficiar a saúde humana por meio de melhorias na função imunológica, de redução dos níveis de inflamação, de melhora da cognição, do perfil lípidico e da função neuromuscular. Além disso, na revisão sistemática realizada, foi encontrado um efeito positivo, porém ínfimo, da suplementação de ômega-3 no ganho de força muscular, quando comparado com placebo, em indivíduos saudáveis.

Contudo, a produção e comercialização de suplementos de ômega-3 são negócios bilionários, e  interesses comerciais poderosos que promovem o uso da substância, inclusive financiando e influenciando o desenho de estudos, a interpretação e a publicação de resultados, o que cria conflitos de interesse. Ressalta-se, portanto, a importância de utilizar fontes confiáveis de informação, conhecer os financiadores dos estudos e pesquisar as evidências científicas relacionadas ao assunto.

“É preciso atenção para os riscos de interpretar resultados de estudos clínicos isoladamente. Para a prática clínica, devem ser usadas referências com maior força de evidência, como revisões sistemáticas e meta-análises. Esses tipos de estudo fornecem embasamento maior e mais confiável para recomendações em consultório. Ademais, todas as recomendações devem ser individualizadas, levando em consideração o contexto do paciente de forma completa e abrangente”, salienta a doutoranda e nutricionista Heloísa.

Ela lembra ainda que é importante tomar cuidado com falsas promessas e que suplementos alimentares para melhora de desempenho em exercícios não têm poderes mágicos, apresentando, na verdade, poucos efeitos quando comparados a hábitos como alimentar-se de maneira saudável ou adotar protocolos adequados de treinamento. “Todos nós queremos facilitadores, mas nenhum suplemento alimentar é milagroso. É sempre importante avaliar a real necessidade do uso, e a dosagem também é ponto de atenção. Um nutricionista deve ser sempre consultado. É fundamental procurar por marcas conceituadas e com boas certificações, que garantam produtos que atendam a determinados padrões de qualidade”.

Para estudos futuros sobre suplementação de ômega-3 para fins de hipertrofia e ganho de força e função musculares, os pesquisadores recomendam adoção de metodologia rigorosa, aumentando assim a reprodutibilidade e a qualidade das evidências científicas sobre esse tópico.

(Texto publicado originalmente no Jornal da Unicamp, em 25/04/2023)