Espiritualidade nas organizações: tema deveria ser mais estudado na academia

A discussão acadêmica sobre espiritualidade nas organizações é relativamente nova na literatura científica sobre administração. Estudos mais aprofundados sobre o tema podem contribuir para objetivos importantes da gestão organizacional moderna, como fomentar o bem-estar individual e coletivo dos trabalhadores e romper com a visão instrumental que enxerga o assunto somente como um meio para aumentar o desempenho institucional. 

 

É o que aponta um grupo de pesquisadores e docentes do curso de Administração da Unicamp, em artigo publicado recentemente na Revista de Administração Pública e Gestão Social da Universidade Federal de Viçosa. Através da plataforma de dados científicos Web of Science, foi realizado um estudo quantitativo sobre toda a produção científica relacionada ao tema ‘Espiritualidade nas Organizações’ até 2021 – o trabalho aponta os principais autores e publicações da área e faz algumas sugestões para desenvolvimento de estudos futuros.

Marco Milani, pesquisador do Laboratório de Finanças e Contabilidade e do Laboratório de Pessoas e Marketing e um dos autores da pesquisa, lembra que espiritualidade não se restringe à religião e destaca que, na área da saúde, o estudo dessa temática é mais frequente, inclusive com existência de laboratórios e núcleos de pesquisa sobre o tema. Ele cita como exemplo o Laboratório de Pesquisa Saúde, Espiritualidade e Religiosidade da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde, da Universidade federal de Juiz de Fora.

 

“Nas ciências sociais aplicadas há valorosas iniciativas, mais em menor número se comparadas à área da saúde. Nas últimas duas décadas o volume de publicações sobre o assunto vem crescendo significativamente e certamente é uma temática com alto potencial para ser explorado nas organizações. Por estar associada à qualidade de vida, influenciar o clima organizacional e as relações humanas entre os funcionários, bem como o estilo de liderança com reflexos na produtividade, é de interesse de qualquer gestor reconhecer e valorizar o comportamento ético e moral capaz de favorecer o desempenho organizacional. Muitas empresas possuem iniciativas para auxiliar o indivíduo a aprimorar os próprios recursos além daqueles de caráter técnico, respeitando suas características pessoais e de maneira laica”.

 

Ele destaca o caso da empresa multinacional alemã SAP, que atua no desenvolvimento de softwares para gerenciamento de processos de negócios e, segundo o pesquisador, desenvolve internamente um programa chamado SAP Global Mindfulness Practice, com o objetivo de promover o sucesso e o bem-estar duradouros no trabalho e na vida e já atendeu cerca de 15 mil funcionários em diferentes países. “A espiritualidade não precisa ser nomeada no programa da SAP, mesmo abordando alguns aspectos comuns ao conceito. Isso demonstra que o tema pode ser abordado respeitando-se as várias nuances culturais de filiais estabelecidas em diferentes países, sem envolver religião”.

 

Outras duas iniciativas são mencionadas pelo pesquisador para ilustrar a relevância do assunto que, segundo ele, ainda enfrenta preconceitos na academia. O questionário desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para estimar o nível de qualidade de vida das pessoas, que tem um módulo específico para a espiritualidade (World Health Organization Quality of Life - Spirituality, Religion and Personal Beliefs) e pode ser aplicado em qualquer cultura; e a linha de pesquisa específica sobre espiritualidade na gestão, aberta em 2001, pela Academy of Management, destacada organização acadêmica internacional, sediada nos EUA, e que reúne os mais renomados pesquisadores da área de Administração e gestão organizacional. Na Unicamp, Milani já desenvolveu e ofereceu cursos livres sobre o assunto para funcionários e participantes do Programa UniversIdade.