Saber-fazendo tambores com fogo: ancestralidade desde corpo-terra
Elisabete de Fátima Farias Silva
Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências
Orientador: Eduardo Jose Marandola Junior
Resumo
A experiência com mestres-artesãos que produzem longos tambores escavados, afinados e reunidos com fogo, que se tocam no gesto-musical de montaria ao compor-se como corpo-tambor, motivou esta tese a desdobrar saberes ancestrais afrodiaspóricos envolvidos em suas ritualísticas, enfocando legados e diálogos com filosofias e práticas bantu. Os tamboros do Samba de Cacete paraense, com os mestres-artesãos Roque, Nerino, Raimundo, João e Benamucho de Cametá; as parelhas do Tambor de Crioula, com o mestre-artesão maranhense Paulo Lobato no Alto Vale do Jequitinhonha e; os tambus da Caiumba paulista, com os mestre-artesãos Antonio de Paula Junior de Piracicaba e TC Silva de Campinas conformam saberes ambientais geo-grafados no corpo-tambor desde o encontro corpo-terra. A partir destas experiências nos aproximamos de uma cartografia corpo-tambor que ressoa o geográfico em diversas escalas: desde o corpo; na dinâmica de troca entre comunidades e regiões da mesma tradição e no contato com outras tradições de tambor; nos lugares de manifestação como terreiros, quintais e barracões, o que permitem, inclusive, interpor informações de áreas quilombolas (rurais/urbanas e oficiais/autodeclaradas) com rotas históricas de povos bantu trazidos às Américas e; nos modos de viver/fazer com tambores sustentados por saberes ancestrais que circulam e apontam uma concepção ambiental poética e política no saber-fazendo tambores. Para tanto, atritamos filosofias desde África, Pensamento Ambiental Latino-americano e Fenomenologia afim de acompanhar o geográfico que se apresenta geo-grafado no corpo-tambor desde corpo-terra em face da ancestralidade. Nisso, o ambiental surge como dobra, impossível de ser tratado senão pelo avesso e cumplicidade sendo corpo-terra. Respondendo a um chamado da terra, a humanidade se cumpre desde sua realidade geográfica e, longe dos determinismos geográficos e aprisionamentos étnicos, tornar-se mestre-artesão é uma acolhida à ancestralidade. O descentramento do humano e, sobretudo, de uma consciência iluminada per si, na elaboração e transmissão de saberes reforça o aterramento de nossa condição. Trazer o Ubuntu por Mogobe Ramose como filosofia desde África, que contribui a versar com geo-grafias inscritas por saberes ancestrais bantu que circulam no saber-fazendo tambores com fogo, tem ainda a intenção de pensar a tradição em sua relação ética de reinvenção do comum para além da catástrofe. Mirando um fazer científico em vistas ao conhecimento situado na dobra do sensível e do político, trazendo face a face a radical diferença que desde o ocultamento dessas terras nos atravessa pela colonialidade, é fundamental nos aproximar de saberes situados neste Sul epistemológico, abrasando, escavando, afinando e reunindo tradições. Assim, pesquisar o saber-fazendo tambores com fogo se mostrou como uma das entradas para questionar aos avessos essa opressão e tragédia modernas que são contravertidas ao toque dos tambores. Com o que esperamos contribuir ao enfatizar o caráter geográfico da ancestralidade.
Palavras chaves: Diáspora africana, Bantos, Decolonização, Fenomenologia, Pensamento Ambiental, Brasil, Sul