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As migrações internacionais tornaram-se componentes essenciais da questão demográfica mundial, quer seja pela “transfusão populacional” (Berquó, 1993) necessária aos países abaixo do nível de reposição de suas populações, quer seja pelas crises e mobilidade da força de trabalho vinculadas à nova divisão internacional do trabalho (Harvey, 1992). O Brasil passou a se inserir na rota dessas migrações internacionais no final dos anos 1980, com a consolidação e expansão de espaços transnacionais em sua rede urbana (Sassen, 1988), como é o caso do Estado de São Paulo. A diversidade de situações migratórias locais, regionais, internacionais recodifica a complexidade do fenômeno, não sendo possível nos pautarmos apenas no dinamismo econômico em escala nacional e nos fatores pull-push (De Hass, 2010).

As novas formas de mobilidade da população, incluindo-se etapas migratórias, retornos, reemigração, apresentam-se complexas, uma vez que intensificam as migrações internacionais e modificam as formas de instalação e inserção/alocação desses imigrantes internacionais nos países de origem e de destino (Cortès e Faret, 2009; Diminescu, 2009; Tarrius, 1993; Almeida, 2013). O aporte teórico de Tarrius (1993) permite entender que determinados percursos conectam os migrantes a um local de destino, mas sem os desvincular dos lugares de onde vieram; os territórios circulatórios estão associados a processos identitários dos migrantes, que os levam a viver em comunidade e ao mesmo tempo os permitem compor e recompor a dinâmica urbana nas cidades onde vivem.

Neste sentido, os conceitos de campo migratório e espaço migratório foram criados para contemplar os espaços percorridos e construídos através dos fluxos migratórios (Simon, 2008). Estes espaços migratórios desenhados pelos deslocamentos (Baeninger, 2013), referem-se a um espaço de vida (Domenach e Picouet, 1996) transnacional que abarca os lugares de origem, trânsito e instalação dos migrantes (Schaeffer, 2009). De acordo com Dumont (2006), apesar dos fatores de expulsão ainda estarem presentes nas migrações, temos que lidar hoje com o surgimento de “novas lógicas migratórias”.

É nesse cenário teórico-metodológico, que esta Linha Temática II do Observatório das Migrações busca direcionar seus quatro estudos temáticos. A intensificação dos processos imigratórios internacionais e o aumento da diversidade das formas de mobilidade espacial de contingentes imigrantes requer que se aprofunde características e especificidades vinculadas às distintas modalidades migratórias no cenário das “novas lógicas migratórias” no século 21.

Estudos Temáticos:

Imigração Internacional e sua distribuição espacial 

Este estudo temático aprofundará as relações existentes entre o desenvolvimento de diferentes nichos econômicos no interior paulista (semi-jóias, calçados, têxtil, comércio popular) e a chegada/alocação de imigrantes internacionais nessas espacialidades no âmbito das novas lógicas migratórias. Dedica-se a compreender os lugares vinculados à lógica da produção global que desencadeia uma nova configuração migratória internacional (e nacional), com diversas modalidades de fluxos (incluindo-se os movimentos migratórios de refugiados) e com a constituição e utilização dos espaços como recurso para a reprodução social dos contingentes imigrantes envolvidos.

Imigração, Família e Gênero

O objetivo deste estudo temático é contribuir para o debate dos estudos de gênero aos estudos das migrações (internas e internacionais) e incorporar a dimensão familiar em todo o processo social da migração; dimensão esta apenas considerada no início dos projetos migratórios de homens e mulheres. Neste sentido, parte-se da retomada do diálogo e das intersecções teóricas e metodológicas entre estudos de gênero e migração, buscando identificar o papel da família nas trajetórias migratórias, trazendo à tona a importância da compreensão das transformações dos papeis de homens e mulheres em seus projetos migratórios.

Fluxos Imigratórios Internacionais Atuais (latinoamericanos, asiáticos, refugiados, haitianos, europeus qualificados)

Este estudo aborda os fluxos de imigrantes internacionais em São Paulo, buscando compreender as relações entre os lugares da imigração, a importância das redes sociais ao longo do processo, as conexões realizadas por este grupo com outros espaços migratórios, os projetos migratórios de distintos contingentes imigrantes estrangeiros. Paralelamente, ao mosaico de situações sociais referentes aos bolivianos, paraguaios, peruanos, equatorianos, colombianos, dentre outros latino-americanos em São Paulo e suas afinidades eletivas com outros grupos imigrantes, em especial asiáticos, este estudo detém-se também sobre a imigração de refugiados.

Emigrantes Internacionais (Suíça, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Canadá, retorno, remessas)

Este estudo compreende vários fluxos e modalidades da emigração internacional, buscando entender os processos sociais que envolvem o fenômeno da emigração. Justifica-se pois já em meados dos anos 1990 o fenômeno da emigração de brasileiros para o exterior revelava a configuração de processos migratórios e de redes sociais - na origem e no destino- que traziam novos retratos e análises para o fenômeno dos brasileiros no exterior. No âmbito desta temática, pretende-se que este Observatório acompanhe as discussões e produza estudos acerca da emigração de mão-de-obra qualificada (skilled migration) e de cientistas (knowledge migration) paulistas para o exterior.

Referências

ALMEIDA, G. Au revoir Brésil: um estudo sobre a imigração brasileira na França após 1980. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH/UNICAMP. 2013.

BERQUÓ, E. Cairo-94 e o confronto Norte-Sul. Novos Estudos, CEBRAP, n. 37, p. 7-19, Nov. 1993.

De HASS, H. Migration and development: a theoretical perspective. International Migration Review. Volume 44 (1), 2010.

DIMINESCU, Dana. Le migrant dans un système global de mobilités. In: CORTÈS, G.; FARET, L. (Orgs.) Les circulations transnationales: Lire les turbulences migratoires contemporaines. Paris: Armand Colin, 2009, p. 211-224.

DOMENACH, H.; PICOUET, M. Las migraciones. Córdoba: Republica Argentina, 1996.

DUMONT, G-F. Les nouvelles logiques migratoires au XXIe siècle. Outre-Terre, nº 17, 2006.

HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

SASSEN, S. The mobility of Capital and Labor. Cambridge: Cambrigde University Press, 1988. 

SCHAEFFER, F. La circulation migratoire, révélatrice de la structuration sociospatiale du champ migratoire marocain. In: CORTÈS, G.; FARET, L. (Orgs.) Les circulations transnationales: Lire les turbulences migratoires contemporaines. Paris: Armand Colin, 2009.

TARRIUS, A. Territoires circulatoires et espaces urbains: différenciation des groupes migrants. Annales de la Recherche Urbaine. no. 59-60, 1993.